A complexidade para tradução da bíblia

Ao chegar em qualquer livraria cristã encontramos inúmeras traduções da bíblia, sem contar nos estilos de capa, cores, formas, adendos como mapas, fotos e comentários diversos. Este breve artigo traz uma visão geral sobre os desafios e princípios para as traduções da bíblia.

Desde os primórdios da igreja, ainda na missão aos gentios foi percebida a necessidade de tra­duzir para o grego os ditos de Jesus transcritos em aramaico. Havia um precedente para isso na tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX), sobre a qual se baseia a maior parte das citações no Novo Testamento.

A tradição cristã sempre fez uso de traduções em idioma vernáculo (daquela região em que está), trazendo consigo expressões mais populares e fáceis de compreender por aquela cultura. Um fato curioso é que judeus e muçulmanos, por exemplo, não fazem questão de idiomas vernáculos e em geral utilizam os idiomas originais.

As atuais traduções das Escrituras normalmente se baseiam em princípios não muito diversos daqueles apli­cados pelos melhores tradutores mais antigos, mas clarificadas por intervenções úteis da linguística moderna.

O mais fundamental desses princípios, conhecido como o da equivalência dinâmica, é que a tradução deve normalmente dar prioridade a reproduzir o significado do texto, em vez de seus sons ou suas estruturas gramaticais. Um exemplo disto são as traduções de João Ferreira de Almeida e a Bíblia de Jerusalém.

A exceção a essa regra são traduções especiais, tais como versões interlineares para estudantes da língua bíblica, com textos que contêm no original efeitos sonoros especiais, como trocadilhos e jogos de pa­lavras. O significado, porém, não deve reproduzir somente a acep­ção, mas também outros aspectos, como ênfase e emoção, para os quais busca-se dar equivalência em uma tradução. Um exemplo é a Bíblia Israelita de Estudos Judaicos.

O significado tem prioridade, particularmente, sobre a gramá­tica. Um tradutor moderno da Bíblia, por exemplo, traduzirá um substantivo abstrato grego como μετανοεῖν (metanoia) por “arrepender-se”, se o texto se referir a uma ação, devidamente expressa na linguagem do receptor (ou alvo) por um verbo. Assim também, a ordem das palavras e locuções pode ser mudada nas traduções, a fim de comunicar de maneira mais clara, fiel e natural o significado na linguagem do receptor.

Os mesmos procedimentos, ou similares, ado­tados de modo geral para a análise do significado, em cada nível, des­de cada palavra até o texto todo, são aplicados pelos tradutores da Bíblia das mais diversas partes do mundo.

As línguas faladas por grandes grupos tendem a operar em níveis ou registros diferentes, desde altamente literários até colo­quiais. O Brasil é um excelente exemplo disto, por ser um país continental temos a norma culta, ou seja o português oficial do Brasil e, ao mesmo tempo, temos os regionalismos com suas gírias e expressões totalmente regionais. Não é incomum um nordestino chamar alguém de “cabra”, ou usar a interjeição “arriégua”; o que seria praticamente impossível vindo de um gaúcho.

Há, assim, um amplo acordo mundial atualmente de que, muito embora as traduções literárias da Bíblia tenham sem dúvida função útil, a prioridade deve ser melhor dada às traduções na língua e/ou linguagem comum, ou seja, de uso da grande maioria dos que falam a língua local. Em português, exis­tem atualmente versões diversas da Bíblia que, além de aplicar mais consistentemente o princípio da equivalência dinâmica, utilizam a tradução em linguagem comum, falada hoje. Como por exemplo as bíblias Nova Tradução na Linguagem de Hoje e, A Mensagem.

As traduções modernas da Bíblia são, portanto, destinadas, quase sempre, a transmitir tão precisa­mente quanto possível o significado e o conteúdo do texto original.

São, assim, inteiramente diversas das chamadas “paráfrases” (termo não usado pelos linguistas nesse sentido), que tendem a adaptar ou procurar “atualizar” os aspectos históricos e culturais do original, mesmo que distorcendo-os essen­cialmente, da forma original. Como exemplo a Bíblia Free Style. Isso não é, de modo algum, tradução, que deve consti­tuir sempre e totalmente um pro­cesso linguístico; e é, além disso, inteiramente contrário à natureza do cristianismo como fé histórica.

Naquilo em que o leitor moderno possa ter dificuldade em entender algo sobre aspectos históricos e culturais, ou até mesmo doutri­nários, do texto bíblico, pode ser perfeitamente ajudado e esclarecido por notas de rodapé, glossários, ou outros tipos de auxílio ao leitor, na própria Bíblia, além de ampla gama existente de estudos bíblicos e comentários externos às Escritu­ras.

Onde esses aspectos culturais sejam mencionados incidentalmente, ou tenham pouca importância, como, por exemplo, em símiles e comparações, nada impede que se­jam adaptados, desde que isso não afete a essência ou o significado primacial do que se quer transmitir.

A pergunta que muitos fazem é, no fim dia, qual tradução devemos escolher. E a resposta não é tão simples quanto à pergunta, afinal são tantas questões envolvidas que a solução depende de cada ponto a ser destacado no processo de tradução. Sendo assim vou destacar os pontos relevantes para a escolha de uma tradução da bíblia.

Se informe na sua comunidade local (igreja local) se existe alguma tradução indicada; afinal é melhor usar a bíblia que a maioria usa, caso contrário será mais difícil acompanhar uma leitura bíblia em conjunto ou mesmo os versículos citados numa pregação.

Outra questão é o seu nível de conhecimento em língua portuguesa. E agora é preciso ser sincero consigo mesmo, de nada adianta ter uma bíblia que todos chama de “fiel ao original”, “mais fiel ao original”, “a única fiel ao original” (entre tantas auto bajulações das editoras) e lá tem palavras do tipo lascívia, entranhável, borrachice e concupiscência. Neste caso não vai entender nada do que está sendo dito.

Para finalizar, analisada a questão da bíblia utilizada por sua comunidade local, se o seu nível gramatical (de língua portuguesa) é alto faça opção por traduções de correspondência formal como as traduções do João Ferreira de Almeida ou Bíblia de Jerusalém. Se o seu nível gramatical é mais popular, faça opção por traduções de correspondência dinâmica como as traduções em linguagem de hoje.

Por: Ricardo Moreira Braz do Nascimento

Bibliografia

DOUGLAS, J.D. O Novo Dicionário da Bíblia; Editora Vida Nova, 2006
John Beekman & John Callow, Translating the Word o f God (Grand Rapids, MI, 1974)
Ferguson, Sinclair B. Novo dicionário de teologia / Sinclair B. Ferguson, David F. Wright. — São Paulo: Hagnos, 2009
Mildred L. Larson, Meaning-based Translation. A Guide to Croo-language Equivalence (Lanham, MD, 1984); E. A. Nida & C. R. Taber, The Theory and Practice o f Translation (Leiden, 21974).
______, Dicionário da Bíblia de Almeida – 2a Edição © 1999 Sociedade Bíblica do Brasil.

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